Ser de esquerda em 2025 é quase como ser do sporting durante o jejum de 19 anos
- Sofia Dias
- 14 de abr.
- 3 min de leitura
Atrevo-me a afirmar que ser de esquerda, em 2025, é muito mais difícil do que ser de direita. Como é que se aumenta o poder de compra? Diminuindo os impostos. Como é que se resolve o problema da habitação? Ora, diminuindo os impostos. Como é que se resolve os problemas do SNS? DIMINUINDO OS IMPOSTOS. Como é que se resolve o "problema" da emigração? Não havendo emigração lol.
Os argumentos da direita moderna são fáceis de acatar, de entender e de defender, não só pela sua visão centrada na "liberalização da economia e depois logo se vê" e no "não gostamos deles, por isso, não os deixamos entrar", mas também porque, em comparação com os da esquerda identitária, são menos "chatinhos".
É verdade, a esquerda atual é a Karen da política, chata e moralista. Não aceita imperfeições e contradições e depois fica com as mãos atadas quando se depara, dentro de si mesma, com essas mesmas imperfeições e contradições. É mais difícil ser de esquerda, porque a "bar está demasiado high", é muito fácil amar o capitalismo e ter um iphone, mas quando se prega o fim da big tech ter um iphone é como ir para a cama com o Donald Trump.
Disto, a esquerda tem de fazer mea culpa. Deve colocar-se a si mesma em questão e não cair em dogmas identitários que afastam o eleitorado. É preciso ter em conta a historicidade da própria categoria de identidade (YOU THINK YOU JUST FELL OUT OF A COCONUT TREE??), além das lutas concretas de afirmação de identidades específicas ao longo das últimas décadas.
Já dizia Asad Haider, historiador norteamericano de origem paquistanesa: “O problema da identidade é um problema político urgente, ligado à lógica de reprodução social do capitalismo. Por isso, deve ser tratado de modo crítico, a fim de que possamos lidar com uma realidade contraditória [...]” (Haider, 2019, p. 19). A tarefa de analisar criticamente a política de esquerda atual é delicada, claro, pelo problema em si que se quer travar. Se a criticarmos, corremos o risco de sermos vistos como adversários das causas e excluídos da "esquerda verdadeira" (vai alí para o canto pensar no que fizeste).
É compreensível, claro, o porquê de a política identitária ter-se tornado a aposta central dos esquerdistas: esta parte do princípio de que, para que um projeto político avance, é preciso afirmar uma identidade comum. Essa identidade serviria como base para despertar um sentimento coletivo de pertencimento, além de conferir um caráter universal à opressão vivida por certos grupos. Isto baseia-se numa conceção essencialista de identidade, que a entende como algo estável, contínuo, coerente e unificado — como explica Butler (2015, p. 42). Ou seja, parte-se da ideia de que existe algo único e essencial na vivência do sujeito oprimido, algo que pode ser reconhecido de forma quase automática, independentemente do contexto ou de outras dimensões que se cruzam com essa vivência.
No entanto, ao tentar isolar e universalizar a experiência do oprímido, essa abordagem acaba por não ter em conta as opressões que surgem justamente das relações complexas e entrelaçadas entre diferentes formas de dominação, como ocorre na vida real de sujeitos historicamente marginalizados
A esquerda perdeu eleitorado, porque unificou "discriminações" e as coisas tornam-se complicadas quando, por exemplo, um homem, operário, trabalha para uma grande CEO mulher, que o explora até ao último cêntimo. Quem será o opressor aqui? Na guerra cultural das opressões, quem ganha? O patriarcado ou a classe? Se um homem gay for machista para uma colega de trabalho heterossexual, quem é o opressor neste caso? Talvez ninguém saia vitorioso. Talvez não haja um verdadeiro "vencedor". Se a ideia de identidades fixas e estáveis já não se sustenta como base confiável para a política progressista, pode ser que estejamos diante da necessidade de imaginar um novo modelo de política de esquerda — uma política que questione as próprias categorias identitárias. Ou seja, uma política que reconheça a identidade como algo em constante construção, assumindo essa variabilidade não apenas como uma ferramenta teórica e ética, mas também, possivelmente, como um fim político em si.
Esse futuro mostra-se, ainda, longínquo. Falar de Direitos Humanos sem cair numa lógica simplista é difícil, mas está na hora de mudar de estratégia. Ser de esquerda em 2025 é quase como ser do sporting durante o jejum de 19 anos, 0 resultados e só chatices. Precisamos de uma nova teoria pela qual erguer o punho a la Ruben Amorim.
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