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O Homem perguntou ao Tempo

  • Foto do escritor: Beatriz Pereira
    Beatriz Pereira
  • 18 de ago. de 2022
  • 3 min de leitura

No hall do Palácio do Tempo, lia-se, em letras grandes e gordas:


O tempo perguntou ao tempo quanto tempo o tempo tem. O tempo respondeu ao tempo que o tempo tem tanto tempo quanto tempo o tempo tem.


À frente das tais letras, o Tempo passava. De um lado para o outro, de um lado para o outro. Na verdade, eram muitos Tempos, todos a andar em simultâneo: uns lentos, outros rápidos; uns sonolentos, outros atarefados. Eram todos o Tempo, mas cada um à sua maneira.

Sentado numa pequena sala, estava o Homem, confuso e ainda sem perceber o que era o tempo:

- Mas quanto tempo tem o tempo?

- Ora, tem o tempo que o tempo tem. - disse-lhe o Tempo.

- E o tempo que o tempo tem é quanto tempo?

- É o tempo que tu quiseres.

- Quero que tenhas dois minutos.

- DOIS MINUTOS NÃO PODE SER! - gritou a Secretária, soando debaixo dos braços do Homem, que estavam nela apoiados.

- Olha, dois minutos não posso ter. - repetiu o tempo.

- Porquê?


Esta tarefa de saber o que é o tempo revelava-se cada vez mais difícil.

- O tempo tem de ser diferente para cada um de vós. Como queres que seja um tempo de dois minutos para duas pessoas ao mesmo tempo?

- Pois, faz sentido…


Pausa.

- Mas dois minutos era um bom tempo - contemplou o homem.

- Pois era.

- É o tempo de lavar os dentes, das pausas entre os meus sets no ginásio, de cozer os ravioli pré-cozinhados…

- Compreendo.


Pausa.

- Sendo assim, quanto tempo podes ter?

- Já te disse: o tempo que tu quiseres. Cada pessoa tem a sua noção do tempo.

- Mas não podes ter dois minutos.

- Não, não posso ter dois minutos.

- Podes ter trinta e sete segundos?

- NÃO. - repetiu a Secretária.

- Olha, também não posso ter trinta e sete segundos. - repetiu também o Tempo.

- Mas assim como sei quanto tempo podes ter?!

- Tens de compreender o que o tempo significa para ti.

- E que raio significa isso? O que significas tu?

Ofendido, o Tempo franziu a pequena sobrancelha. A secretária agitou-se levemente.

- Tu é que me criaste e perguntas-me agora o que significo?


Pausa.

- Tempo, acho que percebi.

O tempo não lhe respondeu. Limitou-se a fixar o seu olhar atento nas mãos do Homem, que se contorciam nervosamente, empurrando e puxando o anel barato no seu dedo. O Homem prosseguiu.

- Tu não significas nada. Não te consigo encontrar um significado e é por isso que nunca ouvirei um “SIM!” desta secretária debaixo dos meus braços. Não tens dois minutos, nem trinta e sete segundos. Tu não existes, nem para mim, nem para ninguém..


O tempo fitou-o - desta vez, diretamente nos olhos. A secretária emitiu um pequeno guincho... E depois desapareceu. Desapareceu o hall, o Palácio e as letras grandes e gordas. Desapareceram os relógios e temporizadores, em formatos de ovo e tomate. Desapareceram os horários que organizavam o mundo, e as agendas com vista diária, semanal e mensal. POF! E a reunião de amanhã já não tinha tempo nem hora. POF! E, de repente, ninguém sabia quanto tempo devia a carne assada ficar no forno.


Sobrou o Homem. Sozinho, sem tempo e sem rumo...

O tempo tem realmente tanto tempo quanto tempo o tempo tem, mas o Homem mostrou ao Tempo que o tempo não tem tempo. O Tempo teve de se ir embora. Deixou o mundo.

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