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florir. floresta.

  • Foto do escritor: Beatriz Pereira
    Beatriz Pereira
  • 8 de out. de 2023
  • 2 min de leitura

Atualizado: 30 de mar. de 2024

Mafalda agarrou na caneca de chá e foi para a varanda. O frio da noite contrastava com o quente da camomila. Camomila. Uma flor. Tudo lhe pareciam flores.


No clima nublado, não há lugar para brotos. Não há lugar para o jardim espontâneo na cidade cruel e dominada pelo alcatrão. A única flor, outrora visível, jazia agora nas mãos de Mafalda.


Deu um golo. Aqueceu. Sorriu.

Ninguém sabe do quentinho que há dentro dela.


Na barriga de Mafalda, há mais do que uma camomila desfeita: há um jardim. O seu corpo não é duro como os prédios onde as suas pupilas repousam. É colorido; tem os brotos que Alguém plantou.


O Sol foi o brilho do Seu olhar.

A água toda a sede que sentiu.


Outro golo.


Talvez, um dia, Mafalda tenha coragem de mostrar a barriga a Alguém. Por agora, falta-lhe essa audácia. O jardim é tão grande; cresceu sem que Alguém soubesse... Regou-o e iluminou-o, dia após dia, sem se dar conta. Agora, é tão grande que germina por si só.


Mais um golo.


Tornou-se uma floresta. Abrir a sua frondosidade à “verdadeira luz” – artificial e citadina – revelar-se-ia um atentado à sua paz.


Mafalda sai da varanda. Volta para dentro e acaba o seu chá.


(Tens tu um jardim, Alguém? Diz-me: fui eu que o criei? Deixas-me entrar?)


~


Não sei bem o que significa, mas sei que, a meio caminho de quando o comecei a escrever, me apercebi que não quero ser a Mafalda com um jardim trancado em mim – pacífico, mas também solitário.


Quero que tu o vejas e que saibas que é também teu. Talvez não seja grande como uma floresta impenetrável, mas, no dia em que em tal se transforme, espero que já conheças os troncos e caminhos por onde passar.


A frase “gosto de ti” pode ser preguiçosa, mas por ti sai facilmente.

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