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dialética da laranja

  • Foto do escritor: Sofia Dias
    Sofia Dias
  • 9 de dez. de 2022
  • 3 min de leitura

Atualizado: 17 de dez. de 2022

A conversa com a Joana resumiu-se a uma propaganda focada em como a intimidade sexual casual é a chave para todos os meus problemas. Confessei-lhe que há algo em mim que sente repulsa por intimidade sexual casual. Ela chamou-me piegas, disse-me que tinha de parar de me apaixonar por tudo o que saia da boca das pessoas antes de as beijar, enquanto enrolava um cigarro. Fumou-o e foi se embora, porque tinha de ir ter com a namorada.


O meu café arrefeceu, mas bebo-o à mesma e penso no que a Joana me disse. A minha relação com intimidade física é complicada. Aceitava-a com o Pedro, porque ele fazia-me desejá-la, da mesma forma irracional e sensual, que desejo palavras.


Talvez a minha adversidade por contacto sexual com alguém, por quem não sinto qualquer tipo de sentimento profundo, advém da minha revolta para com a forma como os homens celebram a liberação sexual feminina.


Os homens celebram a nossa disposição de fazer broches, de participar em orgias, de experimentar sexo anal, mas, ultimamente, muitos revoltam-se quando definimos os nossos corpos como territórios, que não podem ocupar de livre vontade. Os homens não são apologistas da teoria, se pensarem que esta significa sexo como e onde quiserem, sem sentimentos envolvidos. A liberação sexual feminina dá-nos o poder de dizer que sim a sexo, mas também nos dá o poder para dizer que não.


Apesar de saber que tudo isto é, socialmente, fidedigno, reconheço que, muitas vezes, exploro e aproveito-me de teoria de género para evitar um comprometimento sério e moral com o que sinto.


Talvez a não aceitação de contacto físico casual se deva, sim, à humilhação relativamente ao desejo sexual, que me foi imposta por um contexto extremamente religioso. O facto de ainda sentir que tal ideia flutua no meu cérebro, por muito mais que ambicione acabar com a Igreja Católica enquanto instituição, deixa-me irritada e envergonhada.


Acabo o café, aqueço as minhas mãos com a respiração e a minha cabeça começa a ficar pesada, sinto-a como se fosse feita de chumbo. Pago o café e apanho o autocarro para casa. Encosto a cabeça ao vidro frio, na esperança de fazer desaparecer a dor. Não ter colocado nenhum dos pensamentos que tive no café em metáforas comoventes e ter sido brutalmente honesta comigo própria poderá ter provocado a enxaqueca, mas não seria a única razão para tal. É, também, resultado da tradicional acrobacia do meu cérebro. Penso como descasco uma laranja. Tiro a casca, mas isso não me basta. Tenho de separar os gomos, um a um, parti-los ao meio e extrair as pequenas gotas de 1 milímetro com sumo lá dentro. Na maior parte das vezes, não gosto disto, as minhas mãos ficam sempre a cheirar muito a laranja no fim e começo a ficar enjoada da fruta.


Penso em como estar a explicar para mim própria o processo da dança do meu cérebro fazer parte da dança do meu cérebro. Penso em como o que acabei de pensar poder ter sido uma redundância. Penso que tenho de parar de censurar os meus pensamentos. Penso em como ter pensado que tinha de parar de censurar os meus pensamentos censurou o meu pensamento que me chamou de redundante. Penso que não devo pensar em coisas muito complexas. Penso que o meu cérebro é incapaz de o fazer. Penso que o meu cérebro ser incapaz de o fazer não é necessariamente uma qualidade. Penso que o meu cérebro, às vezes, é cansativo de amar. Penso que para amar o meu cérebro, às vezes, é preciso dar-lhe um sedativo. Penso que tocava no Pedro e deixava-o tocar-me, porque amava o cérebro dele, da mesma forma sensual como amo palavras. Penso que, nos próximos dias, não volto a comer laranjas.



 
 
 

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