bichos maus
- Sofia Dias
- 31 de jan. de 2023
- 2 min de leitura
Uma menina de 4 anos brinca no quintal da avó. Tem um vestido branco e às bolinhas vermelhas. O cabelo está adornado com um laço a combinar que, a muito custo, a mãe colocou na cabeça. A resistência ao penteado fez com que ambas chegassem atrasadas aos respetivos compromissos – a mãe tinha uma reunião de trabalho e a menina tinha de estar no restaurante onde servia bolinhos de lama, confecionados com terra originária do oásis da mãe da mãe. Assim que passou pelo típico portão azul, Leonor foi servida com iguarias típicas de avós, os bolinhos com canela e açúcar; o mel; o chá a ferver que requeria assopros e muitos “Ai, avó, a minha língua dói!” para ser bebido; os sorrisos de açúcar seguidos de “Luísa, filha, tens a boca toda suja, limpa lá isso!” e, claro, os repetitivos avisos de que a menina estava demasiado lingrinhas e que devia devorar tudo o que havia na mesa.
Agora, a avó está a ler um livro na cadeira de plástico branca, com as pernas cruzadas, uma mão a apoiar o queixo e os óculos na ponta do nariz. Os bolos de lama da menina estão no forno. Esta distrai-se com um formigueiro que lhe passa ao pé dos pés. Agacha-se. E, com os seus dedos gordinhos pega numa formiga e come-a. Não sente nada. Foi como tivesse engolido ar. Escolhe a próxima vítima e leva-a à boca. Nada sente, novamente.
“Leonor, o que é que estás a fazer? Não comas formigas, filha. Isso não se come.”
A menina levanta-se e vai ter com a avó. “Avó, porque é que não se pode comer formigas?”
“Porque são bichos, amor”
“Mas, avó… Não percebo…. Sabes que a mãe diz que eu tenho bichos maus a sussurrar-me ao ouvido quando faço disparates?”
“Ah sim. Esses malandros.”
“Isso quer dizer que… Quer dizer que os bichos maus me mandaram comer os bons?”
Comments