amor serena
- Beatriz Pereira
- 19 de jul. de 2024
- 1 min de leitura
Disseram-me – ouvi eu – que “o amor serena”.
Na vã esperança de ser verdade, grito há meses “Então serena! Serena, amor!”; mas ele não me ouve... Continua a faltar algo nesta fórmula, porque ele aqui permanece, irrequieto, quase que aborrecido, com a sua atual situação. De madrugada, levanta-se e dá voltas pelas divisões da nossa casa. Arrasta os passos e suspira alto para demonstrar que não são as tarefas que são fastidiosas, mas sim a sua ausência.
Quero chatear-me. Sei que é chato. Também eu estou chateada! Não gosto de o sentir às voltas cá dentro, a sonhar com aquilo que me convenço de que não existe, e a alimentar esperanças do que tento a todo o custo matar.
É por isso que tenho gritado cada vez mais alto, cada vez mais impaciente – “Serena de uma vez por todas! O amor não é irrequieto como tu! Comporta-te.”.
Talvez os meus gritos sejam silenciosos. Como quando em criança acordava de um pesadelo, a tentar bradar pelo conforto dos meus pais, mas na garganta nada vibrava, dos meus lábios nada saía; também agora não esteja realmente a gritar... Quem sabe? O amor tem ouvidos sequer? Independentemente dos seus sentidos, é uma entidade perspicaz. Responde-me com as suas lamúrias de aborrecimento intercaladas com pontapés de fúria.
Mas o que é o amor senão uma criança? Não me posso chatear com a pureza infantil do aborrecimento. Saudades sinto dos dias em que me deixava cair no sofá como um fio de esparguete muito cozido. Talvez a verdadeira serenidade do amor seja aquela em que eu aceito o seu desassossego.
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