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a resposta ao vazio

  • Foto do escritor: Beatriz Pereira
    Beatriz Pereira
  • 14 de ago. de 2022
  • 2 min de leitura

Às vezes sinto-me tão vazia.


Acordo. Sento-me à minha secretária, sabendo que devia fazer mais do que aquilo que vou conseguir fazer, e olho para o ecrã brilhante do meu computador. A minha vida reduziu-se a este pequeno retângulo com cores que dependem de uma bateria? A esta mesa branca encostada a uma parede também branca?


Nessas alturas, é difícil conceber algo que me ajude a não pensar na imensidão do branco, do vazio... Não é ler que me ajuda - não quero perceber os outros quando me sinto assim; quero perceber-me. Também não é ver um filme, ou dar um passeio, ou conversar com alguém.


A resposta é fingir e projetar. É fazer aquilo que outros fizeram quando escreveram livros, fingindo serem algo que não são, não foram, nem nunca conseguirão ser. É projetar numa personagem fictícia aquilo que faríamos se não estivéssemos ocupados a escrever textos em frente a um ecrã de fundo branco.



(22 de maio de 2022)


Alice rodou as chaves na fechadura e sentiu o ar fresco da noite. Não havia um único pensamento que ela fosse capaz de agarrar. A sua mente revolvia-se num turbilhão, saltitando de pensamento para pensamento, sem nunca completar ou criar sentido sobre algum. Era evidente que ela queria parar, concentrar-se, mas a dificuldade dessa tarefa parecia-lhe demasiado grande para ser capaz de o fazer.

Distraída no seu estado de transe, Alice não reparou no quanto tinha andado desde que saíra da porta do seu apartamento. Estava agora parada em frente a um pequeno restaurante, com ar acolhedor mas pouco tradicional. Observou os clientes brevemente através do vidro, mas rapidamente retomou a sua caminhada. “Como é que as pessoas ignoram o peso da vida que carregam? É um peso real sequer? Será que o peso é o mesmo para todos nós? Se não for, quem define a carga atribuída a cada um? Se calhar, há pessoas que não têm carga… A carga pode ter sido algo que eu criei, procurando sentido para os meus sentimentos mas que, em última instância, apenas piorou a minha situação.“


Às vezes, a mente de Alice esforçava-se tanto que parecia ir buscar recursos para o seu funcionamento a outros órgãos. Pulmões, coração, intestinos eram deixados para segundo plano apenas para o cérebro se manter à tona, ainda que em mau estado. Era uma tremenda injustiça, se se pode dizer enquanto agente externo à divisão de recursos do corpo de Alice.



Eu não sou a Alice, mas a Alice é unicamente construída pelo eu. É a minha projeção, o meu fingimento, o meu penso rápido para o buraco brilhante que se abriu na noite de 22 de maio.

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